top of page
PAT 01.jpg

Publicação nega uma existência apática, enrijecida, mecânica e submissa diante da pandemia

A revista Presente, idealizada pelo curador Paulo Miyada e a artista Anna Maria, nasce da troca de cartas entre artistas, curadores, psicanalistas, poetas e bailarinas.

por Beta Germano

"Lembro da sua voz dizendo desse tremor como uma espécie de medicina do corpo, o qual vem para regular o sistema nervoso depois de situações estressantes; lembro de você trazer a imagem de algum animal (era uma zebra?) se chacoalhando depois do pinote dado para fugir de algum predador, como uma sapiência das curandices que habitam a gente mesmo. Tremer para curar: ceder ao não-controle. (…)  Sua voz também disse muito sobre dar passagem, e fico pensando como esse corpo sensível em movimento é o que, talvez, permita com que a gente não enrijeça em uma única perspectiva de si, ou de possibilidades de caminho", escreveu a artista Paloma Durante em carta para a bailarina Pat Bergantin, idealizadora do projeto Corpo Antena - uma série de exercícios para atingir o que ela chama de bodyfulness , uma forma de ativar nossa capacidade de percepção e conexão não só entre corpo e mente, mas entre corpo e sociedade. O diálogo entre as duas faz parte da revista Presente, criada pelo curador Paulo Miyada e a artista Anna Maria Maiolino numa busca por uma existência ativa diante da pandemia que nos assombra. Trata-se de uma publicação composta essencialmente por trocas de correspondências e ideias, intercaladas por potentes poemas de Edimilson de Almeida Pereira e imagens de trabalhos dos artistas que permeiam as conversas, como Castiel Vitorino Brasileiro, Dalton Paula, Fernanda Gomes e a própria Anna.

"Se estamos desconectades, como nos reconectar? Acompanhando o mesmo gesto de integração experiencial (não só retórica) de corpo-mente, minha hipótese é que precisamos (nos) revoltar à integração também de corpo-mundo. Não há mais como avançarmos sem sentir as costas ativas, não dá mais pra hierarquizar o avanço esquecendo de onde viemos, não se sustenta mais a ideia de andar pra frente ignorando que é preciso do contrapeso atrás", responde Bergantin. "Reabilitar a noção de que a diferença entre corpo e sociedade é só uma questão de gradação, assim corpo não é fronteira ou suporte de uma individualidade, pois corpo é continuum, é comunidade e é coemergente ao fora. E compreender que o que nos referimos como corpo hoje em dia é um projeto que conserva um mundo moderno-ocidental-normativo, cujo projeto de individuação é excludente e egocêntrico. Se nos descolarmos dessa crença inscrita em nós, veremos que esse corpo não está fora. Ao contrário, esse estado de presença sensível é justamente o que menos temos que “sair” para buscar, e sim reconhecer o que já está. Estar (no) presente é pegar essa flecha conquistadora que mira lá fora e entortá-la em direção à abundância de tudo aquilo que temos. Afinal, quando eu estaria presente senão agora? Onde estaria este tal corpo senão aqui? E quando/onde estou eu senão aqui e agora?", completa. 

Os textos se conectam ao falar de medo e vulnerabilidade apontando para uma presença que não seja apática, amortecida, paralisada, impotente diante da impossibilidade de vislumbrar o futuro. É  manter-se vivo, em movimento/ação. Sobre a possibilidade de uma continuidade, de um horizonte no presente. 

 "Me pergunto quais seriam suas palavras e signos gráficos, hoje – nesta espécie de mapa / grade de ferro que voltou a cerrar-se ao nosso redor. E como você o “rasgaria”, ou nele abriria um ponto ou um ângulo pelo qual pudéssemos nos esgueirar e fugir", escreve a psicanalista Tania Rivera à Maiolino. "Hoje, se eu fosse realizar mais um novo capítulo da série dos Mapas Mentais, iniciada em 1971, o intitularia nós. Bastaria-me, para realizá-lo, um campo imaginário branco, como uma folha de papel, sem demarcações, “sem margens”. Seria um campo aberto, infinitamente expandido, infinito como o universo. De norte a sul, de leste a oeste, desenhado sem loteamento, sem quadriculados, sem fronteiras", sonha Anna. A linha e seus pontos são as partes gráficas fundamentais na realização do desenho. "No entanto, a linha do horizonte é uma linha virtual, assim como tantas outras linhas presentes nas coisas do mundo visível aos olhos. Também a percebemos no nosso corpo através dos nossos movimentos; percebemos a energia da vibração de nossas pulsões vitais. (...) A sinopse que escrevi para o vídeo Um Momento por Favor indica que trata-se de um autorretrato, visível e sonoro; uma autorrepresentação em movimento, feita de partes do meu corpo. São cartografias corporais em movimento, traços da carne gasta. É um espaço corpóreo anti-erótico, no qual se ressalta e se revela todo o cansaço da matéria.”, completa a artista. 

A conversa entre Lisette Lagnado e Miyada caminham para uma discussão sobre como lidar com produções consideradas não psycho normativas, consideradas fora do campo do que é "normal". Afinal, estamos lidando apenas com uma pandemia viral que é acompanhada de uma pandemia de fragilidades psíquicas. Com Dalton Paula, Miyada debate a própria vulnerabilidade - assunto que acabou por permear toda a publicação. Falam sobre "tremer (temer) para curar", entregar-se ao descontrole, se assumir vulnerável como uma condição para lidar com o mundo. A incapacidade de admitir essa vulnerabilidade, afirma o curador, pode gerar monstros brutais.  

"Uma coisa é não poder criar uma imagem de futuro, outra coisa é exterminar qualquer horizonte de futuro. Isso compromete a existência no presente. Se não há horizonte, se você não tem a certeza que vai comer no jantar, não existe mindfulness. Não é possível  aterrissar no presente. O que estamos vivendo é também um sequestro do próprio presente. Você apaga a história,  interdita o futuro e, assim,  só resta uma existência mecânica e submissa", explica Miyada. Presente é, portanto, a busca de um horizonte possível.. para nos agarrarmos juntos.  

Fotos

por Revista Presente

bottom of page