31 restaurante garante que o futuro é vegetal
Novo restaurante no centro de São Paulo marca a concretização de um desejo do chef Raphael Vieira: questionar o sistema alimentar como o conhecemos hoje.
por Beta Germano
Fermentação, carbonização, desidratação, aromatização - esses são alguns processos de transformação do alimento usados na cozinha do 31 restaurante para o melhor aproveitamento de cada alimento. Conectado com uma problemática que preocupa e inspira chefs no mundo inteiro, o desperdício de comida, Raphael Vieira abriu seu pequeno restaurante na Rua Rego Freitas, em dezembro de 2020, revelando-se um talento sensível e habilidoso.
Aprendemos recentemente que o planeta está no limite e que a sustentabilidade precisa ser a pauta número um para a nossa própria sobrevivência, mas a vanguarda gastronômica já discute o assunto há pelo menos 20 anos. Se é na escassez que a criatividade aflora, não parece à toa que os cozinheiros dos países escandinavos revelaram-se mestres em armazenar e aproveitar o máximo possível de cada alimento reduzindo o desperdício a quase zero.
E foi lá que Raphael buscou inspiração para o seu 31. Apesar de ter apenas 26 anos, ele já esbanja um currículo invejável – trabalhou com Alex Atala, Rodrigo Oliveira, Helena Rizzo e, em Nova York, na cozinha de Dan Barber. Aprendeu muito com cada um deles, mas foi em Copenhagen, num congresso organizado por René Redzepi, do Noma, que o jovem chef brasileiro teve o insight de abrir o próprio restaurante unindo o que há de melhor aqui e lá: ele serve raízes, tubérculos, frutos, folhas e talos provenientes do nosso rico bioma transformados com o objetivo de aproveitar o alimento em sua totalidade, como fazem aqueles que não tiveram a sorte de nascer e viver numa região tão abundante. Aliás, vale notar, talvez por estarmos (mal) acostumados com tanta abundância que nunca nos preocupamos com a finitude. A consequência? O desperdício virou um costume nacional tão arraigado quanto o futebol - somente no Brasil, 23,6 milhões de toneladas de alimentos são jogados fora todos os anos.
O menu sazonal, criado a partir de ingredientes orgânicos garimpados de produtores locais, pode mudar diariamente - depende da qualidade dos vegetais, grãos, frutos do mar e até mesmo café fornecidos pelos pequenos produtores parceiros daquele dia. No restaurante, você pode pedir o menu executivo, que conta com entrada, prato principal e sobremesa; o menu degustação; ou o menu degustação reduzido, em no mínimo cinco tempos - recomendo provar o degustação para que você possa compreender melhor a versatilidade dos ingredientes.
Ele faz soro, queijo, manteiga, cremes, merengue e molhos secretos incríveis. O legume que não está tão bonito vira conserva e aquela fruta chegou meio borocoxô pode aromatizar a bebida do dia ou ser protagonista numa sobremesa inusitada - comi um morango murcho com merengue vegano divino, o azedo da fruta passada com o doce da espuma foi uma ótima surpresa. Raphael, aliás, ama o inesperado.
"Sempre gostei dessa linha de raciocínio de não jogar nenhuma parte do alimento fora. Gosto de desenvolver novas coisas, criar novos sabores. É uma perspectiva bastante diferente do Brasil". Apesar do restaurante não excluir a proteína animal, o foco são os vegetais que representam 80% do menu. "Já trabalhei muito com diversas carnes [ele trabalhou no Açougue Central, do Atala] e não tenho nenhum problema com isso. Mas trabalhar com frutas e legumes é mais fácil, sustentável e diversificado. O futuro é vegetal", explica o chef que deseja questionar não só o sistema alimentar, mas também os nossos hábitos ao revelar a versatilidade das plantas como ingredientes acessíveis e facilmente consumíveis por veganos ou não. Entre os destaques dos menus que provei, estão a batata doce com noisette de amburana e creme de queijo; o mini milho com missô de milho; o tupinambo com manteiga de amburana; o morango murcho, merengue avinagrado e favo de mel; e, o doce de banana. A casa tem, ainda, uma produção própria de kombuchas e licores.
Se a cozinha de Raphael não tem preconceitos contra frutas machucadas, o salão mantém-se coerente e não rejeita pratos lascados ou quebrados. Fã da filosofia Wabi Sabi, visão de mundo característica pela aceitação da transitoriedade e imperfeição, o chef garimpou as louças do restaurante no ateliê de Vanessa Branco que tinham defeitos - repare nos talheres sobre alguns cacos. Dessa forma, além de reaproveitar louças que seriam descartadas, eles reinventaram usos de restos que antes eram inutilizados. O espírito Wabi Sabi está diretamente conectado, também, com o afeto - parece assertiva, então, a escolha do nome em homenagem a um bar homônimo que o avô de Raphael teve no bairro de Santana, na zona norte paulistana.
A cozinha aberta, projetada por Paula Otto , da Arquitetura Nacional, democratiza a experiência que conta, ainda, com pontuais elementos inspirados no modernismo brasileiro, como o ladrilho hidráulico desenhado pelo estúdio de arquitetura, o piso de granilite amarelo, e as cadeiras de fibra de vidro. Apesar de conceitualmente o Modernismo ser exatamente o oposto da filosofia Wabi Sabi, o projeto ganha pelo mix de texturas e a luz mais quente. A escolha da madeira e as longas cortinas ao fundo valorizando o generoso pé direito também ajudam a tornar o ambiente mais aconchegante - mais a cara da comida de Rapha!
Fotos
por 31 Restaurante