

A maratona das cadeiras
Com uma enorme tarefa pela frente o designer Max Lamb é testado em sua primeira linha seriada.
por Bruno Simões
Parece redundante afirmar que a inovação caminha junto à necessidade de transformação - hora movida pela urgência do momento ou então por um olhar curioso à frente de seu tempo. Toda nossa história moderna está pautada por esse princípio - foi assim que depois de anos de experimentos em como curvar a madeira por vapor o marceneiro alemão Michael Thonet conseguiu em 1859 lançar a sua cadeira nº14, a primeira produzida em massa. Seu sistema simples de 6 partes parafusadas permitia montagem rápida e sem especialização, além de otimizar o espaço dentro das caixas de transporte, tornando-a um sucesso comercial como jamais visto antes.
Mas a sequência dessa revolução no campo do design passa por décadas conturbadas de uma virada de século marcada por duas Grandes Guerras que obrigam a indústria a rever seu papel. Mais uma vez a otimização deve ser não somente do desenho, mas também dos processos, pois há um estado de emergência que precisa de respostas imediatas. Nesse cenário o jovem casal Ray e Charles Eames encontra a oportunidade para pôr em prática sua pesquisa com moldes curvados de madeira laminada, uma nova tecnologia que num primeiro momento se torna restrita às forças armadas norte-americanas (inclusive com a produção da tala de perna, criada pelo próprio Charles) e depois se expande por uma série de móveis, como a cadeira LCW, de 1945, que viriam e se tornar os grandes ícones do século XX.
A partir desse momento o que vimos foram décadas recentes de um crescimento vertiginoso do consumo e a grande diversificação de perfis, alguns bastante restritos, como o caso do design-art ou design colecionável. Agora a expressão do autor ganha uma importância em si que vai além da resposta ao problema, sua assinatura é especulada por um mercado que se molda pelo campo das artes e não mais apenas pela reprodutibilidade técnica.
Aqui chegamos ao caso do inglês Max Lamb, um jovem designer que simboliza o ápice desse movimento. Ao longo da carreira ele privilegiou a pesquisa da forma associada diretamente ao material, como nos casos anteriores aqui destacados, mas seu resultado difere drasticamente pela possibilidade da livre expressão distanciada da função. Seja trabalhando com alumínio fundido ou com a tradição milenar do Urushi - laca japonesa, Max conseguiu inserir no mercado sua estética bruta que desafia o padrão do móvel convencional com a intenção de destacar o processo como condição.
Uma dessas pesquisas é justamente com um dos materiais mais banais (e problemáticos) da indústria atual - os polímeros sintéticos. Com grandes placas de poliestireno, as mesmas usadas para o enchimento colchões ou sofás, o designer esculpe suas peças com ferramentas manuais simples, explorando formas firmes que surpreendem pelo caráter monumental. O resultado final é uma mistura intrigante entre o primitivo e o contemporâneo.
Essa é a principal série produzida em seu estúdio nos últimos 15 anos e que encontrou seu lugar entre os colecionadores do design de vanguarda e marcas bacanas como a sueca Acne Studios. Mas até então ele não havia sido desafiado a pensar nessa produção com o olhar da indústria: escala, agilidade e distribuição. Foi em fevereiro de 2020 que surgiu um pedido inusitado - produzir para um evento uma série grande de cadeiras em uma semana. Eis que mais uma vez a história nos desafia e a pandemia toma conta o mundo, obrigando a interrupção do projeto.
Com todo o planejamento meticuloso do processo já criado, característica de sua abordagem ao design, Max Lamb decidiu então seguir adiante junto de sua galeria de Nova York - a Salon 94 - e desenvolver a série para uma exposição online, o grande movimento ao qual todos fomos forçados a se adaptar.
Em seu cálculo preciso o designer chegou a seguinte conclusão - sem espaço suficiente em seu estúdio para tantas peças, ele alugou por 3 dias um pequeno caminhão que serviria como estoque, fábrica e transporte para as 60 cadeiras produzidas a partir de 5 placas de poliestireno. Um enorme desafio, pois pela primeira vez ele foi forçado a pensar na agilidade do processo e a frustração da repetição contínua. Cada uma das chapas deveria ser cortada de maneira precisa, sem desperdício, para garantir 12 unidades cada e um total de 540 partes individuais ao final de tudo.
Como me contou Trang Tran, diretor associado da Salon 94 “A história de como Max surgiu com essa sua primeira grande edição de móveis representa a própria narrativa do como ele veio com a idéia em primeiro lugar, 60 cadeiras eram a solução para um obstáculo. Durante a produção nos 3 dias, o ato de contar repetidamente até se alcançar o número desejado era tamanho que se tornou parte do próprio projeto e seu título - 60 Cadeiras”.
Assim, apesar do propósito inicial não existir mais, a galeria se viu na obrigação de apresentar essa solução, lançando a coleção online no fim de agosto e se surpreendendo com a venda total em menos de uma semana. Cada uma das peças produzidas, embaladas e transportadas pelo próprio designer foi finalizada com uma cobertura de poliuretano sem pigmento, dando seu aspecto cru e emborrachado.
O saldo dessa intensa maratona criativa, no entanto, é um designer incapaz de rever sua posição numa cadeia viciosa. Ao contrário dos grandes designers do passado, Max Lamb deixa uma enorme oportunidade passar para tornar seu design independente dessa ferramenta de especulação e controlar sua própria produção num momento que existe o interesse por essa linguagem. O design autoral seriado é a alternativa a ser explorada para devolver à indústria de mobiliário o propósito e conexão com o público, principalmente num momento em que as ferramentas de promoção estão em nossas mãos como nunca antes na história moderna. Falta aqui apenas essa lição para que ele realmente alcance o lugar que merece entre um dos mais geniais de sua geração.
Fotos
por Max Lamb e Salon 94 Design








